Sunday, October 25, 2015

Helder Macedo, ROMANCE

É o Título:Romance
E o que leva Helder Macedo, insigne erudito, ensaísta, romancista, poeta, a celebrar nos seus 80 anos de actividade contínua e inspirada a desafiar assim os seus leitores?
Bernardim Ribeiro, de cuja obra é profundo conhecedor, e do qual  escolhe para uma das epígrafes a célebre afirmação de que " o livro há-de ser o que vai escrito nele",  da Menina e Moça, romance (ou novela de cavalaria) que quanto mais é lido mais misterioso se nos torna.
Será assim este Romance?
Transcreve, ainda de Bernardim Ribeiro, uns versos de Romance, em que a metáfora do rio para figurar a vida, no seu correr ora lento ora tumultuoso, terá sido a fonte da inspiração para o título.
Está dividido em 5 partes, que não serão capítulos no sentido mais geral do termo, mas momentos de transição na escrita, de tom  e de ritmo variáveis, com a liberdade que o criador se permite.
Pois dissera logo de início: o livro não tem de ter definição, será unicamente (e não é pouco) o que nele vai escrito.
Parte, quem sabe - todo o poeta é fingidor - de um sonho que se fixou, que num diálogo de sombras mistura a morte e o sono (é preciso dormir tudo outra vez).
A morte, o sono e o sonho, com a imagem forte de uma Menina de rosto ensanguentado levarão a um passado que só é distante no sonho, pois ao acordar parecia presente, e imobilizado na ilha onde algum enredo amoroso parecia ou poderia ter acontecido.
A escrita adquire uma forma dramatúrgica pela escolha do itálico em vez do redondo, na grafia da página, quando é a Menina que toma a palavra, interpelando o poeta.
Redescubro aqui algumas situações de outros livros e de outros poemas, como os da Viagem de Inverno, de 1994, em que um encontro se dá num carro, a porta aberta, o motor ainda a trabalhar....e na verdade é deste modo que o sonho se atravessa com o real, o passado com um presente que ainda iremos descobrir, à medida que o decurso do sonho e a sua descrição fôr permitindo.
Há um tempo de agora, num espaço contemporâneo, de estradas, rios, carros, encontros, e um tempo de outrora, arquetípico, com uma ilha e uma rocha em que uma Menina vinda do Longe (do sonho, da Alma? ) bem poderia ser a Princesa Magalona das antigas lendas de infância. Só que essa Princesa seria salva pelo cavaleiro que a amava, e esta Menina do Romance , aparecida no sonho, adquiria vida própria, apenas para desafiar, interpelar, apelar....e quem sabe morrer.
Chegamos à segunda parte de novo pela mão de Bernardim, e a voz pertence agora a um ente feminino, como se fosse uma das veladoras de Pessoa, e referisse um sonho que não era seu, não o tinha sonhado, mas numa espécie de fusão(confusão) de emoções assumira como próprio.
O importante, contudo, neste novo momento, é a narração do quotidiano dos amantes, que juntos fazem uma vida de todos os dias, até que alguma se quebra, e o silêncio, de um ou de ambos, intervém.
Bernardim Ribeiro abre sempre cada nova situação descrita, na torrente das emoções que vão sendo evocadas.
Há uma vida anterior - anterior ao sonho, e à própria vida descrita, há um outro país que deixa memória e sangue, e percorrendo o todo um amor que se perdeu.
Romance em verso livre, corrido, ritmado, sem mais?
É isso.
Podemos, sem perder o fôlego, ler em voz alta, como para uma plateia de curiosos espectadores, uma narrativa que se teatraliza muitas vezes, e permite encenação imaginária.
Ou ler em silêncio, meditando, e procurando na constante presença de um Bernardim oculto, o que nos fez a nós esquecer o seu Romance.
Helder Macedo oferece a ocasião : por meio de uma vida, que é a sua, atravessada na escrita, o súbito desejo de saber ainda mais, e reler Bernardim, suas lições de Mestre.










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