Saturday, September 29, 2012

O que se foi, O que se é

De criança, pequenas imagens, pequenos flashes parados, sem sequência, quase mesmo sem sentido.
Um jardim, uma rua, um pátio onde brincava com as filhinhas das vendedeiras desse pátio. Hoje é o pátio Bagatela, condomínio dito de luxo.
Também havia um menino, chamava-se Vasco, tinha uma irmã, Guidinha. Nas idas da mãe e da avó às Termas de Monchique esses irmãos iam com ela. A melhor brincadeira era subir pelos carreiros, entre as árvores, com grandes cajados pintados de vermelho.
Lembrou-se que o pai nunca passava esses dias ali, ficava em Tavira, não sabia porquê.
Foi antes de partirem para a Argentina, com a avó a chorar muito, na hora da despedida.
Não foi partir por partir, para os pais foi de verdade um exílio. Dessa estadia de vários anos não há fotografias.


Impossível reviver o passado e ainda bem.
Não seria possível continuar com a vida de todos os dias, se a memória não se perdesse.

Não somos esse passado, que parece ter sido. Não somos.
E o que somos agora não é consequência, é mesmo outra coisa, ainda que difícil de entender.
Olhando para trás o que vejo é somatório, é sucessão, mas sem fios que se entreteçam. Momentos de acaso, uns mais felizes, outros menos. A vida não é uma teia.
Só momentos, sinapses interrompidas por outras ligações a que o cérebro deu preferência.
Os porquês não sabemos.


Tuesday, September 18, 2012

Começar ?

Não será um diário, muito menos uma autobiografia.
Serão talvez notas, pedaços, fragmentos, memórias que ficam pelo caminho.
Autobiografias há muitas, uma a mais ou a menos não faz diferença.
Mas caminhos e curvas de caminhos, talvez possam ter algum interesse: não para todos, mas para alguns...
Talvez então eu me disponha a começar. Veremos.

Havia ali aquela mulher. Abriu uma gaveta, que estava cheia de pó, não era limpa há anos.
Tirou-a da mesa de cabeceira, e limpou com cuidado o fundo, e a seguir, peça por peça, os objectos que se encontravam lá dentro: armação de óculos antigos, envelopes com análises variadas, fotos, muitas fotos, colarzinhos partidos, brinquedos de papier maché de quando os filhos eram pequenos e os traziam da escola.
Pôs tudo em cima da cama e ficou parada a olhar: guardava, deitava fora, escolhia as fotos para um álbum ou para algum caixilho mais bonito...
Não fez nada. Guardou tudo outra vez na gaveta. As suas fotos antigas já não eram ela, eram outra pessoa, que ela já nem se lembrava de ter sido.
Não fez nada.
Um dia alguém abriria a gaveta e ficaria como ela, a olhar.

Tuesday, September 4, 2012

Memórias

Uma pessoa amiga perguntou-me: não queres escrever as tuas memórias?
Não, não acho que tenham interesse.
E porquê?
Porque Memórias só interessam as dos grandes, que mudaram o mundo; eu não mudei o mundo, só me mudei a mim mesma.