Friday, November 26, 2010

A Intuição

Sem intuição não há arte?
Eu diria que não há arte sem trabalho!
Na ciência como na arte parte-se de uma súbita ideia, uma súbita imagem (nisso artistas e cientistas têm muito de semelhante) que surge por intuição mas que depois é preciso ampliar, desenvolver, fundamentar (no caso da ciência com argumentos já de racionalidade e experimentação) até chegar a um resultado que consideramos final.
Intuição, imaginação criadora, são qualidades que o escritor possuirá mas que sem uma sólida cultura de base, e sem a reflexão e capacidade de crítica e auto-crítica que se lhe devem aliar, de pouco servirão. Pode escrever, sim, mas sem benefício real para si mesmo ou para os outros ( refiro-me a benefício de alma, não de dinheiro).
Dirão: mas se tem intuição, sensibilidade - isso não chega?
A resposta é não.
Se consultarmos o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo veremos que a definição de intuição é a dada altura a seguinte:
"...acto de ver/pressentimento/ percepção rápida/conhecimento claro".
Fiquemos no conhecimento claro, a meu ver assente num conjunto de conhecimentos adquiridos, assimilados, numa reserva de saber, no que se chama vulgarmente cultura.
A cultura é indispensável porque é a cultura - literária, filosófica, artística em geral - que alimenta o nosso próprio "fundo" de ideias, o nosso "armazém", que permite no inconsciente que outras ideias e imagens vão tomando forma, mas com boas raízes de conhecimento elaborado.
E mais: a cultura adquirida permite "comparar": sem poder comparar como saberemos se o que estamos a fazer já foi feito por outrem e até muito melhor? E nesse caso o que temos é de seguir para a frente, buscando o nosso caminho e não o que já foi trilhado.


Sunday, September 12, 2010

Escrever

Uma das perguntas mais frequentes é :
como se escreve (um romance, um poema, uma peça de teatro) ?Quero escrever e não sei como.
A resposta mais rápida, mais sensata e mais útil será: escreve-se escrevendo.
Haverá alguns requisitos básicos, não o nego: conhecer bem a língua em que se escreve.
Para se conhecer bem a nossa língua temos de ter:
um vocabulário alargado
conhecimentos de gramática
uma boa capacidade de articulação do pensamento,
que levará a uma boa capacidade de expressão, de comunicação.

É da capacidade de expressão que falamos quando falamos de criatividade na escrita.
Como em tudo, também na escrita a experiência ajuda a que se aprofundem as ideias e os temas que se desejem tratar.
Dessa experiência fará parte, necessariamente, a leitura.
O meu conselho é que se leia: se leia muito, se leia tudo, de preferência a produção de grandes autores da esfera universal, mas também a literatura dita menor é boa de se ler, se não houver mais nada.
Lembro-me de ler, aos dez-onze anos, todos os livros policiais que existiam em casa dos tios com quem passava férias de Verão (outrora eram grandes...) e todos os policiais que o meu pai comprava nas edições originais em inglês, fazendo com que eu rapidamente dominasse essa língua.
Ainda hoje leio policiais, são para mim formas de descansar o pensamento...

Também li novelas côr-de-rosa, revistas de quadradinhos, e isso enquanto, por exemplo (e já com doze anos) lia a obra de Júlio Dinis. Não posso dizer que a tenha apreciado muito, na altura, mas li.
Como fui lendo, ao longo dos anos, todos os grandes da nossa literatura, começando na lírica medieval e acabando como era o costume da época, com Eça de Queiroz.Isto nos anos de liceu. Ainda que não constassem dos programas oficiais, também li os neo-realistas e lá fui chegando devagar aos modernos e contemporâneos:
Pessoa (na voz de Ricardo Reis) e Sophia de Mello Breyner foram para mim aos dezassete-dezoito anos grandes revelações.
O resultado de se ler bons autores da nossa língua é que melhoramos e alargamos o domínio vocabular e as formas gramaticais, articulando bem as frases, declinando bem os verbos, respeitando a relação do sujeito com os complementos, etc.
A gramática ( a forma) não é tudo, mas é parte. Ainda que mais tarde a possamos destruir, na busca de um estilo que diremos outro, próprio.
Mas na arte, e a escrita é arte, é preciso construir para poder, criando, destruir.
Se existe o impulso da escrita? Existe, ou não se escreveria.
Sobre esse impulso se desenvolve depois o resto do trabalho.